Resenha - A paixão segundo G.H.

sexta-feira, dezembro 27, 2019


A Paixão Segundo G.H. é um romance de Clarice Lispector, publicado em 1964. Um livrinho de estrutura simples, mas de enredo profundo e sem um diálogo sequer. A originalidade desse livro pode ser insuportável para alguns leitores, entenda o porquê:


Título: A Paixão Segundo G.H.
Autora: Clarice Lispector
Nº de páginas: 180
Ano: 2009
Editora: Rocco
Avaliação: ★★★★★
Sinopse: Considerado por muitos o grande livro de Clarice Lispector, A paixão segundo G.H. tem um enredo banal. Depois de despedir a empregada, uma mulher vai fazer uma faxina no quarto de serviço. Mal começa a limpeza, depara com uma barata. Tomada pelo nojo, ela esmaga o inseto contra a porta de um armário. Depois, numa espécie bárbara de ascese, decide provar da barata morta. Ao esmagar a barata, e depois degustar seu interior branco, operou-se em G.H. uma revelação. O inseto a apanhou em meio a sua rotina "civilizada", entre os filhos, afazeres domésticos e contas a pagar, e a lançou para fora do humano, deixando-a na borda do coração selvagem da vida. Esse desejo de encontrar o que resta do homem quando a linguagem se esgota move, desde o início, a literatura de Clarice. Mesmo sem ser um livro de inspiração religiosa, G.H. tem, ainda, um aspecto epifânico. Ao degustar a pasta branca que escorre da barata morta, a protagonista comunga com o real e ali o divino - a força impessoal que nos move - se manifesta. E só depois desse ato, que desarruma toda a visão civilizada, G.H. pode enfim se reconstruir. O escritor argentino Ricardo Piglia disse certa vez que toda a literatura pode ser reduzida a dois gêneros fundamentais: as narrativas de amor e as narrativas de mistério. Em G.H., essas duas claves básicas da ficção se entrelaçam. Pois é justamente a mistura letal de amor e mistério que chamamos de paixão. (José CAstello - jornalista, escritor e mestre em Comunicação)


Aparentemente a personagem-narradora, G.H., narra um dia de folga em casa. Ela toma o café da manhã e decide ir ao quarto da empregada que acabou de demitir. Ela percebe que a aparência do quarto da empregada não condizia com todo o cuidado que ela tinha para fazer com que sua casa fosse sempre bonita. Durante páginas e mais páginas de devaneio, ela encontra uma barata, o que rende mais fluxos de consciência e, para liberar toda essa carga, G.H. faz algo que nunca imaginou ser capaz de fazer. 

Durante todo o livro, a personagem está mergulhando em um fluxo de pensamentos. Ela reflete sobre a sua vida, sobre a sua casa, sobre sua paixão do passado e sobre o seu aspecto interior. Alguns pensamentos são mais triviais, enquanto outros são extremamente impactantes. Quando G.H. decide limpar o quarto da ex-empregada, decide na realidade explorar um outro universo que não fosse o dela, buscando encontrar uma espécie de comparação entre os dois.

“O segredo da força era a força, o segredo do amor era o amor – e a jóia do mundo é um pedaço opaco de coisa.”

A discrepância que ela encontra é gritante para ela. Ela sente nojo daquele mundo diferente, ou será que sente nojo do modo como sempre viveu? Enquanto explorava profundamente os seus conflitos internos, ela encontra o que vai te salvar (um ser divino, talvez?): a barata.

Aquele pequeno inseto a leva a sentir a maior repulsa possível. G.H. é uma mulher muito organizada e, qualquer coisa que esteja fora do seu controle, a incomoda imensamente. Nesse momento, inclusive, ela percebe que nada nunca esteve sob o seu controle, porque é assim que a vida real funciona.

Após prensar a barata entre a porta, ela assiste o líquido branco escorrendo para fora do inseto. Nesse momento, os seus pensamentos e questionamentos vão levando a personagem ao ápice. Em virtude de recuperar o controle sob a sua existência novamente, ela come a barata. É literalmente como se a barata simbolizasse tudo o que ela não tinha na vida e, a partir do momento em que ela segura isso e ingere, é como se ela percebesse um novo significado da vida. Mais uma vez, Clarice nos sugere o fenômeno da epifania (como já mencionei nas resenhas de ...).

“Ultrapassar a dor é a pior crueldade. E eu tenho medo disso, eu que sou extremamente moral. Mas agora sei que tenho de ter uma coragem muito maior: a de ter uma outra moral, tão isenta que eu mesma não a entenda e que me assuste.”

O livro pode parecer entediante para alguns leitores, por isso é bom já estar acostumado com as obras da Clarice, a fim de compreender o que a autora quis dizer (literalmente). Por conta da faculdade, eu já conhecia basicamente toda a essência de A Paixão Segundo G.H., por isso eu já esperava que fosse uma leitura curta, porém pesada e que merece insistência do leitor. Clarice escreveu coisas profundas, tratando do mundo real e do mundo espiritual e ler suas obras requer atenção e exploração para encontrar a mensagem (ou a facada, como prefiro chamar) por trás do texto. Portanto, recomendo demais a leitura para quem já se aventurou por Clarice antes e quer degustar algo mais "viajado", porém recheado de sentido.

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