Resenha - Bagagem + Encontro Mulheres na Literatura sobre Adélia Prado

quinta-feira, dezembro 17, 2020

 

Bagagem, de Adélia Prado, é uma antologia de poemas publicada pela primeira vez em 1976. Essa foi a primeira obra modernista de poemas escritos por uma mulher que eu li.

Título: Bagagem

Autora: Adélia Prado

Ano: 2008

Nº de páginas: 148

Editora: Lido no Kindle.

Avaliação: ★★★★★

Sinopse: O livro Bagagem, foi a primeira publicação de Adélia Prado, de 1976, por indicação de Carlos Drummond de Andrade. Declaração da autora sobre a obra: "Meu primeiro livro foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento”. Os poemas mostram sua profunda religiosidade e o amor pelas coisas simples da natureza.


Essa foi a leitura de Outubro do Clube de Livroterapia. Essa foi uma das primeiras obras que indiquei para o clube (antes mesmo de a temática ser poesia), porque fiquei muito tentada a ler o livro depois de assistir uma aula online do meu antigo professor de Literatura da faculdade de Letras (o vídeo da aula estará no final da postagem, vale muito a pena assistir, as aulas do professor Rogério são incríveis sempre!). Finalmente surgiu a oportunidade de colocar essa leitura como prioridade e eu simplesmente amei!

Adélia Prado é uma escritora e professora mineira (ainda viva!), e ela perdeu seus pais mais cedo do que esperava, o que fez com que muitos de seus poemas tivessem a temática da orfandade e perda familiar:

ORFANDADE

Meu Deus

me dá cinco anos. 

Me dá um pé de fedegoso com formiga preta,

me dá um Natal e sua véspera,

o ressonar das pessoas no quartinho.

Me dá a negrinha fia pra eu brincar,

me dá uma noite pra eu dormir com minha mãe.

Me dá minha mãe, alegria sã e medo remediável,

me dá a mão, me cura de ser grande,

ó meu Deus, meu pai,

meu pai.


POEMA ESQUISITO

Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos.

Não é hábito. É rarissimamente que ela dói.

Ninguém tem culpa.

Meu pai. Minha mãe descasaram seus fardos,

não existe mais modo

de eles terem seus olhos sobre mim.

Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai. Onde estão escondidos?

É dentro de mim que eles estão.

Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão.

Nasceu lá, pois quis um pé de saudade roxa,

que abunda nos cemitérios.

Quem plantou foi o vento, a água da chuva.

Quem vai matar é o sol.

Passou finados não fui lá, aniversário também não.

Pra quê, se pra chorar qualquer lugar me cabe?

É de tanto lembrá-los que eu não vou.

Ôôôô pai

Ôôôô mãe

Dentro de mim respondem

tenazes e duros,

Porque o zelo do espírito é sem meiguices,

Ôôôôi fia.

Obviamente, a poeta também fala do papel da mulher na sociedade, principalmente em relação ao cotidiano que ela presenciava:

COM LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não tão feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

- dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.


RESUMO

Gerou os filhos, os netos,

deu à casa o ar de sua graça

e vai morrer de câncer.

O modo como pousa a cabeça para um retrato

é o da que, afinal, aceitou ser dispensável.

Espera, sem uivos, a campa, a tampa, a inscrição:

1906-1970

SAUDADE DOS SEUS, LEONORA.



O cansaço também está presenta na poesia modernista de Adélia:

EXAUSTO

Eu quero uma licença de dormir,

perdão pra descansar horas a fio,

sem ao menos sonhar

a leve palha de um pequeno sonho.

Quero o que antes da vida

foi o profundo sono das espécies,

a graça de um estado.

Semente.

Muito mais que raizes.

O envelhecimento, o medo da morte, a morte e a religião/fé são temas de vários poemas na obra:

DE PROFUNDIS

Quando a noite vier e minh'alma ciclotímica

afundar nos desvãos da água sem porto,

salva-me.

Quando a morte vier, salva-me do meu medo,

do meu frio, salva-me,

ó dura mão de deus com seu chicote,

ó palavra de tábua me ferindo no rosto.

Algo que me agradou muito, foi ver que a poeta também faz menção à metáfora do ovo, como vários poetas modernos:

OVO DE PÁSCOA

O ovo não cabe em si, túrgido de promessa,

A natureza morta palpitante.

Branco tão frágil guarda um sol ocluso

O que vai viver, espera.

As cores, a vida no sítio vs. a vida na cidade e os pequenos detalhes que tornam a vida alegre para ela também estão nos poemas de Adélia. A autora utiliza do cotidiano para trazer temas que inegavelmente fazem parte da vida de todos os seres humanos: o nascimento, o amadurecimento, a morte, e o que está nas entrelinhas de tudo isso: a cor do céu ao amanhecer, o modo como o pai se veste, o amor, o casamento, a maternidade/paternidade, os dias bons, os dias ruins, os dias de esperança, o medo da morte, a perda de quem se ama e a crueldade de Deus, aquele que deveria ser bom, ao tirar a vida das pessoas.

EXPLICAÇÃO DA POESIA SEM NINGUÉM PEDIR

Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,

mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,

atravessou minha vida,

virou só sentimento.

Em Bagagem, Adélia faz com os versos, o desenho do ciclo da vida de uma mulher e, com um grande teor autobiográfico, da vida dela mesma. Recomendo muito a leitura para quem quer ter contato com poesia modernista escrita por uma mulher!

O Litteraria (Site - Instagram), que estava organizando aulas de literatura quinzenalmente na FAE Centro Universitário, em Curitiba, decidiu trazer os eventos para o meio ambiente online por conta da pandemia. Então, em maio, tivemos o prazer de assistir à aula do professor Dr. Rogério Camargo sobre Adélia Prado. Quando eu soube da aula, precisei assistir, afinal, o Rogério foi meu professor de literatura na faculdade e as aulas dele eram excelentes. A aula foi transmitida ao vivo, mas o Litteraria postou no canal do Youtube deles, então irei compartilhar com vocês:




E você, já ouviram falar desse livro? Dessa autora? Gostariam de ler? Se sim, comenta aí!

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