O conto narra sobre um casal, e os dois se limitavam somente à essa vida em dupla. Todos os dias a mesma coisa, a mesma rotina, não havia novidades para contar, tudo andava na linha. A vida deles era correta e simétrica, e eles se orgulhavam disso.

Os dois estavam presos, sabiam disso. Entretanto, a prisão era mais cômoda e segura. Eles não queriam a "vida de poeta", que faz as coisas por impulso e se coloca aos perigos da vida. Eles só sonhavam.

Em momentos de tédio e solidão, os dois quase começava a ver a triste realidade, mas sempre davam um jeito de voltar ao sonho, afinal, tudo em suas vidas estava certo, eles já faziam aquilo que esperavam deles. Eram um casal obediente.

Claro que não pude deixar de parar para pensar no quanto somos obedientes nessa vida. Quanto mais andamos na linha, mais nos orgulhamos disso, já percebeu? Não queremos errar, não queremos sair dos eixos, porque isso tornaria nosso mundo assimétrico. Não aprendemos isso, aprendemos a ser corretos e obedientes, isso é ser bom?

Enfim, Clarice traz o reconhecimento para um deles: a esposa morde uma maçã e quebra o dente da frente. Pular da janela depois de 50 anos daquela vida, foi o modo como ela conseguiu lidar com aquela assimetria da vida. Claro que não pude deixar de notar o papel da maçã, a fruta que destrói a vida perfeita que Adão e Eva levavam no Éden.

Esse conto é tão verdadeiro e desconfortável quanto poderia ser. Senti-me como eles: sou uma obediente. Os erros e os medos só atrapalham a minha vida "linear" e agora acho que eu não deveria vê-los como um problema, afinal, eu definitivamente não quero que minha vida não tenha curvas. A vida não é uma rápida asfaltada, precisamos aceitar que ela é uma rua esburacada, sem saída e cheia de altos e baixos.

Abracei o reconhecimento desse conto. Obrigada, Clarice.