Resenha - Antologia Poética

quarta-feira, agosto 15, 2018


Pela primeira vez li Olavo Bilac integralmente, e pude ver que o que ele dizia era verdade: Ele imita o ourives quando escreve. Suas poesias parnasianas são como pinturas musicais, é arte fixa e melodia ao mesmo tempo. Para ele, fazer poesia exigia trabalho duro e esforço e, por mais que possa parecer meio ultrapassado (e eu concordo com a liberdade poética modernista), não dá para negar que Bilac era um poéta incrível.


Título: Antologia Poética
Autor: Olavo Bilac
Ano: 1997
Nº de páginas: 96
Editora: L&PM Pocket
Avaliação: ★★★★★
Sinopse: Quem escreveu In extremis, Hino à tarde e outros poemas desse nível é um grande poeta, teve a alma vibrando de beleza. Esta seleção pretende fazer justiça a Olavo Bilac. Para ele eram tão fáceis a expressão e a palavra, escrita ou falada, que a bem dizer teve o direito de se demorar no âmbito delas, sem aprofundar uma visão da vida, a pregar o dever de ser bom, instruído, trabalhador, patriota e amar. Com isso todos estavam de acordo e adotaram o poeta, jornalista e orador que o sabia dizer tão bem.(...) Realmente, ninguém tem na língua verso mais plástico e musical. Nem Bocage, nem Guerra Junqueiro, nem Vicente de Carvalho. E essa música, nos momentos de êx-tase que são vários, já é música das esferas, vai ao cerne da vida.
Olavo Bilac é um dos maiores representantes da poesia parnasiana brasileira, ainda que tenha sido alvo de chacota durante a Semana de Arte Moderna em 1922. Isso se deu porque ele era parnasiano, e parnasianos queriam retomar os padrões clássicos de escrita, usando métrica e rima da forma mais impecável. Quando surge o Modernismo, esses padrões "ultrapassados" são quebrados para dar lugar à liberdade poética, ou seja, chega de se prender à forma, é hora de transmitir sentimentos e emoções de modo rápido, direto e até agressivo. 


Bilac morreu em 1918, então quando ocorreu a Semana de 22, ele provavelmente estava se revirando no túmulo. Obviamente, ele já conhecia esse novo modo de escrever, tanto que não poupou críticas na hora de falar da obra do meu querido Augusto dos Anjos (resenha aqui), que era pré-modernista. 

Como eu sempre faço em resenhas de livros de poesia, eu trouxe algumas amostras do que é o trabalho de Olavo Bilac, porque esse homem era quase um deus brasileiro da poesia, sem exageros. Tire suas próprias conclusões:

XXX

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeito simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura do teu beijo.

E as justas ambições não me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.
(p. 45)

XXXIII

Como se quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, o bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.

Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre ao sol, suspende o voo, e chora,
E chora, a vida antiga recordando...

E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
Do calor da primeira habitação...

Assim por largo tempo andei perdido:
- Ah! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mão.
(p. 48) 

No Cárcere

Por que hei-de, em tudo quanto vejo, vê-la?
Por que hei-de eterna assim reproduzida
Vê-la na água do mar, na luz da estrela,
Na nuvem de ouro e na palmeira erguida?

Fosse possível ser a imagem dela
Depois de tantas mágoas esquecida!...
Pois acaso será, para esquecê-la,
Mister e força que me deixe a vida?

Negra lembrança do passado! lento
Martírio, lento e atroz! Por que não há-de
Ser dado a toda a mágoa o esquecimento?

Por quê? Quem me encadeia sem piedade
No cárcere sem luz deste tormento,
Com os pesados grilhões desta saudade?
(p. 57)


Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
- Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida...
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!

E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E, homem, há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! Sem pão! sem lar!*

*Nítida e solitária reflexão sobre um homessexual, no entanto pouco ou não citada pelos recentes movimentos de emancipação gay.
(p. 60)

Hino à Tarde

Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas,
Alva! natal de luz, primavera do dia,
Não te amo! nem a ti, canícula bravia,
Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!

Amo-te, hora hesitante em que se preludia
O adágio vesperal, - tumba que recamas
De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,
Moribunda que ris sobre a própria agonia!

Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que entre
Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,
Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada.

Trazes a palpitar, como um fruto do outono,
A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,
Perpetuação da vida e iniciação do nada...
(p. 61)


Respostas nas Sombras

"Sofro... Vejo envasado em desespero e lama
Todo o antigo fulgor, que tive na alma boa;
Abandona-me a glória; a ambição me atraiçoa;
Que fazer, para ser como os felizes?"

- Ama!

"Amei... Mas tive a cruz, os cravos, a coroa
De espinhos, e o desdém que humilha, e o dó que infama;
Calcinou-me a irrisão na destruidora chama;
Padeço! Que fazer, para ser bom?"

- Perdoa!

"Perdoei... Mas outra vez, sobre o perdão e a prece,
Tive o opróbrio; e outra vez, sobre a piedade, a injúria;
Desvairo! Que fazer, para o consolo?"

- Esquece!

"Mas lembro... Em sangue e fel, o coração me escorre;
Ranjo os dentes, remordo os punhos, rujo em fúria...
Odeio! Que fazer, para a vingança?"

- Morre!
(p. 67)


A um Poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

Poesias Infantis - O Pássaro Cativo

Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lha alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?

É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

"Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;

Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti!
Não quero a sua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola

De haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas...

Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade...
Quero voar! voar!..."

Estas coisas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão, tremendo, lhe abriria
A porta da prisão...
(p. 71-72)


A mocidade

A Mocidade é a Primavera!
A alma cheia de flores, resplandece,
Crê no bem, ama a vida, sonha e espera,
E a desventura facilmente esquece.

É a idade da força e da beleza:
Olha o futuro e inda não tem passado;
E, encarando de frente a Natureza,
Não tem receio do trabalho ousado.

Ama a vigília, aborrecendo o sono;
Tem projetos de glória, ama a Quimera;
E ainda não dá frutos como o outono,
Pois só dá flores como a primavera!
(p. 77)


Vulnerant Omnes, Ultima Necat

Rio perpétuo e surdo, as serras esboroas,
Serras e almas, ó Tempo! e, em mudas cataratas,
As tuas horas vão mordendo, aluindo, à toa...
Todas ferem, passando: e a derradeira mata.

Mas a vida é um favor! De crepe, ou de ouro e prata,
Da injúria ou do perdão, do opróbrio ou da coroa,
Todas as horas, para o martírio, são gratas!
Todas, para a esperança e para a fé, são boas!

Primeira, que, em meu ninho, os primeiros arrulhos
Me deste, e a minha Mãe deste um grito e um orgulho,
Bendita! E todas vós, benditas, na ânsia triste

Ou no clamor triunfal, que todas me feristes!
E bendita, que sobre a minha cova aberta
Pairas, última, ó tu que matas e libertas!
(p. 89)


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