Resenha - Vita Brevis

terça-feira, janeiro 07, 2020


Vita Brevis foi publicado em 1996, pelo autor norueguês Jostein Gaarder (um dos meus preferidos da vida). Se você pretende ler esse livrinho, pode esperar uma história no estilo filosófico de sempre de Gaarder.


Título: Vita Brevis
Autor: Jostein Gaarder
Nº de páginas: 126
Ano: 2009
Editora: Companhia das Letras
Avaliação: ★★★★★
Sinopse: Flória Emília amou profundamente Aurel, entregando-se a ele e aos prazeres sensuais em que ele era mestre. Foi sua companheira fiel nas horas difíceis e dele gerou um filho. Doze anos coabitou com ele, embora pertencesse a uma casta inferior e, por isso, fosse malvista pela família de Aurel, sobretudo por sua santa e piedosa mãe. Então, foi abandonada, expulsa de repente, sem nem poder dizer adeus ao amado filho, que nunca mais veria. Mesmo assim, jurou fidelidade eterna a Aurel, a ele que se tornaria exemplo cristão, bispo de Hipona, Padre da Igreja católica e por fim santo - Santo Agostinho. E agora, Flória Emília escreve-lhe esta carta

Em Vita Brevis, Gaarder cria as cartas de Flória Emília, a suposta amante de Santo Agostinho, a quem ele menciona em sua obra real “As Confissões”. Para quem não sabe quem foi Santo Agostinho, segue o trecho da biografia dele retirado do site da editora “É Realização”:

“Santo Agostinho nasceu provavelmente em 13 de novembro de 354, em Tagaste, na Numídia, atual Souk Ahrais, na Argélia. Filho de Patrício e de Santa Mônica, Santo Agostinho tinha dois irmãos, Navílio e Perpétua. Santo Agostinho iniciou seus estudos na juventude, quando se aprofundou na tradicional educação liberal, com os clássicos latinos, a retórica, a lógica, a geometria, a música e a matemática. A educação clássica foi a base de diversos pensadores, como Santo Agostinho, Santo Anselmo e Santo Tomás de Aquino. Lá pelo fim do ano 370, Santo Agostinho, com a ajuda de um concidadão romano, deixa Tagaste e fixa-se em Cartago, onde, além de continuar os estudos, entrega-se também a uma vida de prazeres. Nessa época surge uma das maiores curiosidades e, por que não dizer, um dos maiores mistérios da vida de Santo Agostinho. Ele inicia um relacionamento com uma mulher que nunca teve sua identidade revelada. 'Durante esses anos, eu vivia em companhia de uma mulher, a quem não estava unido por legítimo matrimônio, mas que a imprudência de uma paixão inquieta me fez encontrar. Era, porém, uma só e eu lhe era fiel. Com esta união experimentei pessoalmente a diferença entre o laço conjugal instituído em vista da procriação e uma ligação baseada apenas na paixão sensual, da qual podem nascer filhos sem serem desejados, embora uma vez nascidos se imponham ao amor dos pais.' Do misterioso relacionamento de Santo Agostinho com essa desconhecida mulher, em 372 nasceu seu filho Adeodato, que foi batizado por Santo Ambrósio, juntamente com Santo Agostinho. Adeodato acabou morrendo em 391, aos 16 anos. Entre as obras de Santo Agostinho encontra-se o livro De Magistro, em que Santo Agostinho relata um diálogo filosófico com seu filho Adeodato, sobre a função e a importância do mestre. Nas Confissões de Santo Agostinho, o doutor da Igreja descreve seu batismo e o de seu filho, Adeodato. Também comenta rapidamente o livro De Magistro. Essas e outras curiosidades encontram-se no capítulo IX, 6, 14, das Confissões. Em Cartago, Santo Agostinho tornou-se professor de gramática. É nesse período que Santo Agostinho tem contato com a obra Hortensius de Cícero, o que faz seu amor pela filosofia finalmente despertar. No ano 373 ele adere à fé maniqueísta, que será posteriormente abandonada, fato que o fará repensar suas concepções sobre o caráter de Deus. O maniqueísmo era uma seita que acreditava existirem no universo duas forças iguais e opostas, a saber, uma boa e outra ruim. A história do mundo, nessa perspectiva, consiste, desde o início, em uma luta entre o bem e o mal. Quanto mais os pensamentos de Santo Agostinho se aprofundavam nas principais ideias dos maniqueus, mais ele se afastava dessa seita. O abandono da fé maniqueísta começou com a influência de Santo Ambrósio e São Simpliciano no pensamento de Santo Agostinho. A leitura das Enéadas de Plotino e também dos escritos de Porfírio, foram auxílio importantíssimo para o desenvolvimento das reflexões agostinianas e para a própria conversão de Santo Agostinho. Finalmente em 386, Santo Agostinho converteu-se de vez ao cristianismo, recebendo o batismo das mãos de Santo Ambrósio durante a vigília pascal, juntamente com seu filho Adeodato”. (Disponível em: https://www.erealizacoes.com.br/blog/santo-agostinho/)

A mulher por quem Agostinho se apaixonou, que é mãe de seu filho Adeodato, e que é mencionada em As Confissões, nunca teve seu nome revelado na obra. O que Gaarder faz em Vita Brevis, é criar Flória Emília e sua parte na história. Nesse romance epistolar, podemos ler a carta que ela enviou para Aurel (como ela se refere ao santo), respondendo às Confissões, revelando os momentos que eles viveram juntos como amantes (inclusive os sensuais), o amor que ela ainda sentia por ele, os problemas que ela enfrentou com a mãe dele, bem como o fato de ter tido o filho retirado de seus braços. Por conta da devoção de Agostinho, Flória teve de sofrer e perder Adeodato, seu único filho que foi resultado do único amor da vida dela.

A injustiça fica clara em toda a carta e, sem dúvida, em toda ela vemos a filosofia, por meio de menções a filósofos, obras da Literatura Clássica, como Édipo Rei. Muitas vezes ela compara o fato de Édipo ter arrancado os próprios olhos para não enxergar mais a dura realidade proveniente dos seus atos.

Por ser de casta inferior, Flória Emília era repudiada pela família do santo, inclusive Santa Mônica, a mãe de Agostinho. Por conta disso, é abandonada e perde o direito de ficar com o filho, que vai viver com o pai e aprender suas doutrinas. Aurel levou sua devoção à fé cristã e à Igreja Católica a um nível extremo, alegando que até mesmo o ato de comer, para ele, era visto como uma distração carnal/física, pois as necessidades “estragavam” a capacidade de evolução espiritual de qualquer ser humano.

Gostei muito da obra pela abordagem romântica criada pelo autor. Ele quis demonstrar o ponto de vista de um personagem que existiu na vida real, mas que nunca teve seu nome revelado e, por conta disso, nunca teve a atenção e a importância que merecia, uma vez que é uma personagem injustiçada dentro da história de um “misericordioso” santo como Agostinho. Dessa forma, a obra é uma espécie de denúncia à hipocrisia da sociedade da época, já que Agostinho e sua mãe, que também era considerada santa, em prol da “profissão” do filho, abandonam Flória e retiram o filho dela para não manchar a reputação de ambos com castas inferiores. É muito interessante o fato de que, mesmo negada, Flória Emília ainda jura fidelidade ao Santo Agostinho na carta, dizendo que jamais deixará de amá-lo e que não será capaz de amar outro homem. Basicamente, Gaarder traz para os leitores, de modo genial e tocante, o lado desconhecido desse romance proibido.

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