Resenha - Obra Poética de Fernando Pessoa Vol. 1 + 15 poemas preferidos

quinta-feira, janeiro 04, 2018


Acho que depois de Camões, Fernando Pessoa é o segundo maior poeta português e um dos maiores poetas da literatura universal. Nesse primeiro volume do box da Obra Poética de Fernando Pessoa, nós temos "Mensagens" e as Quadras de Fernando Pessoa ele mesmo, temos o Cancioneiro do heterônimo Ricardo Reis e Outros Poemas. 


Título: Obra Poética de Fernando Pessoa
Volume: 1
Autor: Fernando Pessoa e heterônimos
Ano: 2016
Nº de páginas: 479
Editora: Nova Fronteira
Avaliação: ★★★★★ 
Sinopse: A vasta produção de Fernando Pessoa, um dos mais célebres poetas em língua portuguesa, ganha uma nova edição pela Nova Fronteira, dividida em dois volumes contidos em boxe de luxo. A obra contempla os poemas escritos por Pessoa como ele mesmo e como outros poetas que criou, seus famosos heterônimos Alberto Caeiro, Recardo Reis e Álvaro de Campos, além da produção poética do autor em língua estrangeira e de algumas de suas traduções.

Mensagens fala mais de Portugal e de suas participações em guerras, batalhas, viagens marítimas, etc. As Quadras são todas sobre um amor platônico existente entre o eu lírico e uma mulher chamada Maria. O Cancioneiro é a obra de Ricardo Reis, e Outros Poemas são poemas adicionais, dos quais eu não tenho conhecimento se são de Fernando Pessoa ou de algum heterônimo.


Caso você não conheça Fernando Pessoa e os seus heterônimos Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, clique aqui.

Eu já havia entrado em contato com alguns poemas de Fernando Pessoa na faculdade, na matéria de Literatura Portuguesa II, e foi aí que meu interesse pelos poemas dele foi despertado. São poemas muito tocantes, principalmente os que estavam na parte de Outros Poemas, com temas como sono, morte, amor, cansaço (me lembrou Álvaro de Campos). Como estão todos reunidos, pode acabar parecendo repetitivo, mas alguns realmente te tocam de uma maneira... Quase chorei várias vezes, confesso (hahaha).


Fernando Pessoa é simplesmente genial, cria personalidades para poder ter eu líricos diferentes, perspectivas diferentes, não viver somente uma vida e não ter somente uma visão. Com esse subjetivismo planejado, F.P. nos trás poemas lindos e com fatos da vida que vão te alfinetar de um jeito indescritível. Por mais ridículo que possa parecer, somente lendo Fernando Pessoa, você pode entender a profundidade das obras dele.

Vou deixar para falar mais sobre a minha experiência com o autor, na resenha do segundo volume, ok? Vou aproveitar essa primeira resenha para falar dessa edição do box.

Lateral do box.

O box é maravilhoso, claro. Os livros são de capa dura, o jogo de cores em verde e vermelho são bastante interessantes, mas o livro não te diz o que é do Fernando Pessoa ele mesmo e do que é de algum heterônimo. Por exemplo, o Cancioneiro simplesmente começa no livro, como se fosse do ortônimo e não de algum heterônimo. Sendo assim, ele não te diz de quem é a obra. E outro problema que eu notei, foi que muitos poemas se repetem. Gostei bastante da edição (amei, na verdade), mas acho que poderia ser um pouquinho melhor e mais completa, trazendo uma biografia também (não só do ortônimo, como dos heterônimos), afinal, quem nunca leu Fernando Pessoa e não tem conhecimento de suas dimensões, não vai ser situado em momento algum, vai simplesmente ler sem saber o que há por trás da obra.

Frente do box.



Como vocês puderam ver na imagem acima, marquei poucos poemas que gostei (hahaha) e sério, vai ser MUUUUITO difícil escolher só 15 para essa postagem, talvez eu traga outros posts de poemas favoritos, hein? hahaha Enfim, vamos lá:

Segundo / O quinto império
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz -
Ter por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra terá theatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grecia, Roma, Cristandade,
Europa - os quatro se vão
Para onde vae toda edade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

(p. 37)


Análise
Tão abstrata é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do ter ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
Assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.

(p. 70)


-
Para onde vai a minha vida, e quem a leva?
Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?

O meu destino tem um sentido e tem um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma escala,
Mas o consciente de mim é o esboço imperfeito
Daquilo que faço e sou; não me iguala.

Não me compreendo nem no que, compreendendo, faço.
Não atinjo o fim ao que faço pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a dor que abraço.
Pauso, mas comigo não passa um eu que há em mim.

Quem sou, senhor, na tua treva e no teu fumo?
Além da minha alma, que outra alma há na minha?
Por que me destes o sentimento de um rumo,
Se o rumo que busco não busco, se em mim nada caminha

Senão com um uso não meu dos meus passos, senão
Com um destino escondido de mim nos meus atos?
Para que sou consciente se a consciência é uma ilusão?
Que sou entre quê e os fatos?

Fechai-me os olhos, toldai-me a vista da alma!
Ó ilusões! Se eu nada sei de mim e da vida,
Ao menos eu goze esse nada, sem fé, mas com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia esquecida...

(p. 102-103)


-
Ah, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!
Por que é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Por que vai sob o céu aberto
Sem um desvio?

Por que ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega a alma precisa?
Sei que me invade

Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entona sobre
Minh'alma alheia

Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê de voo suave
Dentro em meu ser.

(p. 114)


Isto
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto.
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

(p. 152-153)


-
Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma a adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.

Dá-me vinho, porque a vida é nada.

(p. 182)


Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doura
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

(p. 185-186)


-
Por que vivo, quem sou eu, o que sou, quem me leva?
Que serei para a morte? Para a vida o que sou?
A morte no mundo é a treva na terra.
Nada posso. Choro, gemo, cerro os olhos e vou.
Cerca-me o mistério, a ilusão e a descrença
Da possibilidade de ser tudo real.
Ó meu pavor de ser, nada há que te vença!
A vida como a morte é o mesmo Mal!

(p. 254)


-
Meu coração caiu no chão.
Pode o pisar
Quem aqui passar.

Minha alma está feita em pedaços.
Pode os varrer
Quem quiser.

É feita sombra a minha vida
Pode a ignorar
Quem pouco olhar.

É a morte quem eu fui e estive.
Pode o esquecer
Quem não pude ser.


-
Torna-te-ás só quem tu sempre foste.
O que te os deuses dão, dão no começo.
De uma só vez o Fado
Te dá o fado, que é um.

A pouco chega pois o esforço posto
Na medida da tua força nata -
A pouco, se não foste
Para mais concebido.

Contenta-te com seres quem não podes
Deixar de ser. Ainda te fica o vasto
Céu pra cobrir-te, e a terra,
Verde ou seca a seu tempo.

O fausto repudio, porque o compram.
O amor porque acontece.
Comigo fico, talvez não contente.
Porém nato e sem erro.

Eu não procuro o bem que me negaram.
As flores dos jardins herdadas de outros.
Como hão de mais que perfumar de longe
Meu desejo de tê-las?

Não quero a fama, que comigo a têm
Eróstrato e o pretor
Ser olhado de todos - que se eu fosse
Só belo, me olhariam.

(p. 280-281)


-
Quando era jovem, eu a mim dizia:
Como passam os dias, dia a dia,
E nada conseguido ou intentado!
Mais velho, digo, com igual enfado:
Como, dia após dia, os dias vão,
Sem nada feito e nada na intenção!
Assim, naturalmente, envelhecido,
Direi, e com igual voz e sentido:
Um dia virá o dia em que já não
Direi mais nada.
Quem nada foi nem é não dirá nada.

(p. 286)


Enigma
No fundo de tudo quanto pensamos
Há a caverna do que nós somos.
Sonhos lhe boiam na sombra aberta.
Velam-lhe em teia a entrada ramos
Ramos aquém com três estrelas-pomos
A árvore deles é aqui e incerta.

Por trás das costas do visto mundo
Por trás de nós se sonhamos ver,
Fuga de um onde ladeando estar,
Ramos sem rede cruzando o fundo
Do pensamento e caverna ser
Com sonhos boiando no cavernar.

Quadro - boiando do fundo da alma,
Com pomos luzindo na árvore-parte,
Com o segredo por trás de aquém...
Brilha um instante na luz sem calma
Com um relâmpago de 'standarte,
E em tudo isto não há ninguém.

(p. 296)


-
Converso às vezes comigo
E esse diálogo a sós
Com o impossível amigo
Que sonha cada um de nós,

Vai de clareira em abrigo,
Ouvido, visto, veloz,
Nas expressões que consigo
Das sombras a que dá voz.

E a perfeita consonância
De quem fala com quem ouve
Aquece o lume de infância
A csa em que ainda chove,
E eu durmo a alada distância
Da conversa que não houve.

(p. 301-302)


-
O que eu fui o que é?
Relembro vagamente
O vago não sei quê
Que passei e se sente.

Se o tempo é longe ou perto
Em que isso se passou,
Não sei dizer ao certo.
Que nem sei o que sou.

Sei só que me hoje agrada
Rever essa visão
Em que não vejo nada
Senão o coração.

(p. 323)


-
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só não conheço.
Mudaram-me sempre o preço.
Quem vê é só o que vê.
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo,
É do que nasce, e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só.
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
O que anotei era eu?
Sabe-o Deus, porque 'screveu.

(p. 354)

E você, já leu Fernando Pessoa e/ou seus heterônimos? Comenta aí!
Resenha do volume 2 - clique aqui (EM BREVE)

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