[Texto] Escreve, Deus, escreve...

quarta-feira, junho 05, 2019





1. — E se eu te contasse que você é um personagem?
2. — Como assim?
1. — Sim, você é um personagem e quem escreve a sua história é Deus.
2. — Ah, lá vem você com esse papo de novo... Posso só tomar meu café em paz?
1. — Engraçado.
2. — O quê?
1. — O escritor querer que você negue a existência dele.
2. — O quê?
1. — Você acha que escreve nas próprias páginas da sua vida. Acha que decide quando um capítulo termina e quando outro começa. Você acha que é o protagonista da própria história.
2. — Já disse que isso é estupidez. Pare de viajar e me passa o açucareiro.
1. — A primeira linha começa descrevendo seu nascimento e a última, a sua morte.
2. — Incrível.
1. — Deus escreve sua história continuamente.
2. — Tomara que ele não fique cansado de escrever tão cedo...
1. — Todos os dias são capítulos completamente novos.
2. — Estou ferrado, então. Se o cara nunca parar, ele vai se cansar de escrever e vai me matar logo.
1. — Os antagonistas da sua vida são criados por ele.
2. — Será que Deus ainda têm mãos depois de criar toda essa gente?
1. — Quer parar? Eu estou filosofando aqui e você fazendo piadas.
2. — Deus, por favor, escreve aí que eu ganhei um milhão de dólares?
1. — Pare.
2. — Tá, se não for possível, só escreve que eu ganhei um sanduíche por conta da casa, estou morrendo de fome!
1. — Esse é o problema, as pessoas acham que Deus existe para satisfazer as necessidades e desejos delas.
2. — Alguém precisa ser a ilusão.
1. — Você é um imbecil...
2. — Eu respeito você, juro, mas não me venha com essa conversa de que Deus escreve minha história, que minha vida é um livro, que eu sou um protagonista e que Deus é o escritor... O ditado não era “Deus escreve por linhas tortas” ou algo do gênero? Você já está inventando outra coisa.
1. — Você não tem jeito, me passa o café.
2. — Claro... Ahh!
1. — Ei, o que houve? O que está acontecendo?
2. — O meu coração, está doendo muito, acho que estou tendo um ataque cardíaco!
1. — Alô! Eu preciso de uma ambulância, rápido!
2. — Ele escreveu isso?
1. — Chega. A ambulância chegou.
2. — Eu não quero morrer!
1. — Acalme-se, respire!
3. — Não se preocupe, senhor, seu amigo vai ficar bem.
1. — Meu Deus...

0. — Ele está certo. Eu não aguento mais escrever, mas... O que mais eu posso fazer o dia todo? Já sei, vou começar mais um livro! “Ana nasceu em 15 de janeiro de 2019...”


Sara Muniz, janeiro de 2019.

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