Resenha - O ódio que você semeia

quarta-feira, agosto 05, 2020

Foto por Drika Lopes.

O ódio que você semeia, escrito pela autora Angie Thomas, foi publicado em 2017. A obra é narrada por Starr, uma garota negra que testemunhou a morte de seu amigo, Khalil, ao levar três tiros de um policial branco sem motivo algum. Mais do que uma ficção juvenil, esse livro traz uma temática que precisa ser vista e discutida.

Título: O ódio que você semeia
Autora: Angie Thomas
Ano: 2017
Nº de páginas: 378
Editora: Galera Record
Avaliação: ★★★★
Sinopse: Uma história juvenil repleta de choques de realidade. Um livro necessário em tempos tão cruéis e extremos.

Starr aprendeu com os pais, ainda muito nova, como uma pessoa negra deve se comportar na frente de um policial.
Não faça movimentos bruscos.
Deixe sempre as mãos à mostra.
Só fale quando te perguntarem algo.
Seja obediente.
Quando ela e seu amigo, Khalil, são parados por uma viatura, tudo o que Starr espera é que Khalil também conheça essas regras. Um movimento errado, uma suposição e os tiros disparam. De repente o amigo de infância da garota está no chão, coberto de sangue. Morto.
Em luto, indignada com a injustiça tão explícita que presenciou e vivendo em duas realidades tão distintas (durante o dia, estuda numa escola cara, com colegas brancos e muito ricos - no fim da aula, volta para seu bairro, periférico e negro, um gueto dominado pelas gangues e oprimido pela polícia), Starr precisa descobrir a sua voz. Precisa decidir o que fazer com o triste poder que recebeu ao ser a única testemunha de um crime que pode ter um desfecho tão injusto como seu início.
Acima de tudo Starr precisa fazer a coisa certa.
Angie Thomas, numa narrativa muito dinâmica, divertida, mas ainda assim, direta e firme, fala de racismo de uma forma nova para jovens leitores. Este é um livro que não se pode ignorar.

Starr, a protagonista de O ódio que você semeia, é apenas uma garota negra do Ensino Médio e presencia algo terrível logo no primeiro capítulo: a morte de seu amigo Khalil. Entretanto, Khalil foi morto sem motivo algum por um policial branco. Starr viu ele morrer e estava lá quando ele deu o último suspiro. Depois disso, a história toda se passa em torno de como Starr e o povo negro podem usar suas vozes para fazer o policial branco Um-Quinze pagar pelo que fez.

Essa foi a primeira leitura do Clube de Livroterapia, um clube do livro que entrei recentemente. A proposta era que escolhessemos um livro escrito por um autor negro e, depois de muito tempo querendo ler O ódio que você semeia, coloquei como sugestão e o pessoal adotou a ideia.

"(...) A outra conversa [que meus tiveram comigo] foi sobre o que fazer se um policial me parasse. Mamãe se agitou e falou para o papai que eu era nova demais para isso. Ele argumentou que eu não era nova demais para ser presa nem levar um tiro. — Starr-Starr, faça o que mandarem você fazer — disse ele. — Mantenha as mãos à vista. Não faça movimentos repentinos. Só fale quando falarem com você."

Quando comecei a leitura do livro, percebi que eu já havia assistido ao filme, mas como fazia muito tempo, não iria interferir em nada. Confesso que eu não esperava que o livro tivesse uma linguagem tão simples, mas acredito que é justamente para se aproximar também do grupo de leitores adolescentes. Como Starr é uma adolescente, nos deparamos com várias cenas com amigos, namorado e família que são um pouco mais descontraídos.

"(...) pessoas como nós em situações assim viram hashtags, mas raramente conseguem ter justiça. Mas acho que todos esperamos que essa vez chegue, a vez em que tudo vai acabar da forma certa."

A temática por traz, em sim, é bastante pesada. O livro retoma o movimento Black Lives Matter e menciona muito o código "Thug Life", que surgiu de uma música do rapper Tupac. Antes do livro, eu não sabia o significado de Thug Life e nunca tinha escutado a música em si. Ao concluir a leitura, resolvi ir atrás disso:

Não consegui colocar a versão legendada em português, clique aqui para acessar.



O significado de Thug Life é explicado na própria obra: (The hate u give to little infants fucks everybody), o que em português quer dizer: "O ódio que você passa para as crianças ferra com todo mundo". Isso faz muito sentido em tantos aspectos das nossas vidas e é extremamente verdade. Se você ensina ódio para uma criança (como a ser racista, homofóbico, machista, xenofóbico, etc...), ela reproduzirá isso no futuro e o ciclo de violência na sociedade será eterno. 

"’Pac disse que Thug Life, 'vida bandida”, queria dizer The Hate U Give Little Infants Fucks Everybody, ou “o ódio que você passa pras criancinhas fode com todo mundo'."

Starr estuda em uma escola de brancos e namora um garoto branco. Logo, isso se torna uma grande preocupação para ela, que começa a pensar muito em como os pais e a família dela vão encarar o fato de que ela namora um branco. Ela vê isso como algo muito errado, mas prefere quebrar esse paradigma e mostrar para os leitores que isso não existe mais.

"Mas é engraçado como funciona com os adolescentes brancos. É maneiro ser negro até ser difícil ser negro."

"Não posso mentir, recebemos o olhar de 'por que ele está com ela', normalmente de garotas brancas ricas. Às vezes, me pergunto a mesma coisa. Chris age como se esses olhares não existissem. Quando faz coisas assim, cantando rap e fazendo beat-box no meio de um corredor agitado só para me fazer sorrir, eu também esqueço esses olhares."

Outra coisa que achei interessante na obra, foi o fato dos personagens usarem o termo "Jesus negro". Após uma pesquisa, descobri que também é uma referência à uma música de Tupac, chamada "Black Jesus":


Ao ler O ódio que você semeia, o leitor irá se deparar com a narração de uma garota sobre como o amigo negro dela foi assassinado sem motivos por um policial branco. Mesmo com muito medo, ela fala publicamente o que houve de verdade naquele dia (já que a mídia estava maquiando demais os fatos) e, ainda assim, não é ouvida. Protestos começam na cidade e ela tenta ser ouvida. Ela e a comunidade negra querem justiça, mas será que conseguem?

"Eu me recuso a fazê-los se sentirem melhor por terem matado meu amigo."

"— Todo mundo está com raiva porque Um-Quinze não foi acusado — explico —, mas também porque ele não é o primeiro a fazer uma coisa assim e se safar. Sempre acontece, e as pessoas vão continuar se rebelando até mudar. Então, o sistema ainda está semeando ódio, e todo mundo ainda está se fodendo?"

Recomendo demais a leitura desse livro, seja para conhecer de perto a realidade da violência racista ou para apresentar esses conceitos em sala de aula (caso você seja professor). Esse livro possui linguagem acessível e, por mais que possa parecer ter um enredo simples, a mensagem por traz é muito pesada e necessária de ser ouvida.

"— Estou cansada disso! Assim como vocês acham que somos todos ruins por causa de alguns, nós pensamos o mesmo de vocês. Até vocês nos darem motivo para pensar diferente, nós vamos continuar protestando."

E você, já leu a obra ou assistiu ao filme? Já ouviu falar? O que achou? Comenta aí!

Você também poderá gostar de

0 comentários

"Comento, logo existo."