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Resenha - A insustentável leveza do ser

segunda-feira, março 18, 2019


Publicado pela primeira vez em 1984, pelo autor tcheco, Milan Kundera, A Instustentável Leveza do Ser é um dos melhores livros que eu já li na vida.

Título: A insustentável leveza do ser
Autor: Milan Kundera
Ano: 2009
Nº de páginas: 312
Editora: Companhia de Bolso
Avaliação: ★★★★★ 
Sinopse: Sobre este romance, Italo Calvino escreveu: "O peso da vida, para Kundera, está em toda forma de opressão. O romance nos mostra como, na vida, tudo aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba bem cedo se revelando de um peso insustentável. Apenas, talvez, a vivacidade e a mobilidade da inteligência escapam à condenação - as qualidades de que se compõe o romance e que pertencem a um universo que não é mais aquele do viver" (Seis propostas para o próximo milênio).
O livro, de 1982, tem quatro protagonistas: Tereza e Tomas, Sabina e Franz. Por força de suas escolhas ou por interferência do acaso, cada um deles experimenta, à sua maneira, o peso insustentável que baliza a vida, esse permanente exercício de reconhecer a opressão e de tentar amenizá-la.


A história acompanha quatro personagens principais; Tomas, Tereza, Franz e Sabina, tendo como pano de fundo histórico, a Segunda Guerra Mundial. As cidades em que eles vivem são Praga e Zurique e, por conta dos tempos de guerra que cercam os personagens, muitas críticas políticas acerca desse conflito são feitas pelo narrador.

Inclusive, temos um narrador onisciente que se inclui na história; fala dos protagonistas como se fossem seus personagens, dá sua opinião sobre todos os assuntos e ainda sabe tudo o que eles pensam, sentem e desejam.

Os personagems de Kundera são extremamente redondos (há uma exploração do aprofundamento psicológico muito grande).

Tomas é um cirurgião que não liga o amor da alma ao o amor do corpo, por isso, ele é viciado em ter relações sexuais com um número infinito de mulheres, mas ao mesmo tempo, gosta de se prender à somente uma para ter um relacionamento: Tereza.

“Não existe meio de verificar qual é a decisão acertada, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que leva a vida a parecer sempre um esboço. No entanto, mesmo esboço não é a palavra certam pois um esboço é sempre o projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro. 
Tomas repete para si mesmo o provérbio alemão: einmal ist keinmal, uma vez não conta, uma vez é nunca. Poder viver apenas uma vida é como não viver nunca”. P. 14
Tereza odeia sua mãe e, quando conhece Tomas e começa a morar com ele, faz um excelente trabalho como fotógrafa, principalmente quando tira fotos dos tanques de guerra e dos soldados. Tereza têm problemas com o seu corpo, sabe que é traída por Tomas, mas ainda assim, não o deixa.

“Tereza nasceu, portanto, de uma situação que revela brutalmente a inconciliável dualidade entre o corpo e a alma, essa fundamental experiência humana.
Outrora, o homem ouvia com assombro o som de batidas regulares que vinham do fundo do seu peito e se perguntava o que seria aquilo. Não podia se identificar com uma coisa tão estranha e desconhecida como o corpo. O corpo era uma gaiola e, dentro dela, uma coisa qualquer olhava, escutava, tinha medo, pensava e se espantava; essa coisa qualquer, essa sobra que subsistia, deduzido o corpo, era a alma”. P. 43-44
Sabina é uma artista e grande amiga de Tomas, inclusive, gostava de lever a mesma vida que ele levava antes de conhecer Tereza, ela gostava de não se prender a ninguém. Entretanto, um dos amores que mais marcaram a sua vida, foi o de Franz.

“Todos acreditamos que é impensável que o amor de nossa vida possa ser uma coisa leve, uma coisa que não pese nada; achamos que nosso amor é o que devia ser; que sem ele nossa vida não seria nossa vida”. P. 39-40
Franz é casado e tem uma filha, mas trai sua esposa com Sabina e ele se apaixona por ela incondicionalmente. Apesar de trair, Franz é o personagem mais "certinho" da história, é aquele que se entrega ao amor totalmente e não o questiona.

“Disse: ‘E por que você não usa sua força contra mim de vez em quando?’. ‘Porque amar é renunciar à força’, Respondeu Franz docemente”. P. 112
“Só encontro uma explicação: o amor era para ele não o prolongamento mas a antítese de sua vida pública. O amor era para ele o desejo de se abandonar às vontades e caprichos do outro. Aquele que se entrega ao outro como um soldado de constitui prisioneiro, deve antes entregar todas as armas. E, vendo-se em defesa, não pode deixar de se indagar quando virá o golpe. Posso, portanto, dizer que o amor era para Franz a espera contínua do golpe”. P. 83

Kundera maneja esses quatro personagens para tratar sobre a dualidade do fardo e da leveza. O fardo é o peso (negativo) e a leveza é a liberdade (positivo), mas até que ponto queremos a leveza e até que ponto aguentamos o fardo? Se prender a uma só pessoa seria carregar um peso? Ser solteiro significaria ser leve e livre?

Todo esse questionamento ainda se contrasta com o sentido da nossa vida. Se vamos viver apenas uma vez, devemos carregar o peso, ou devemos querer a leveza?

“(...) o objetivo que perseguimos é sempre velado. Uma jovem que quer se casar quer uma coisa que lhe é de todo desconhecida. O jovem que corre atrás da glória não tem nenhuma ideia do que seja a glória. O que dá sentido à nossa conduta sempre é totalmente desconhecido para nós”. P. 122
Tomas acaba tendo as duas coisas: ao mesmo tempo em que vai em busca da liberdade e se relaciona com muitas mulheres, traindo Tereza. Ele também não quer ficar sem ela, não quer largá-la e a vê como um peso que ele definitivamente quer carregar.

“Parece que existe no cérebro uma zona específica, que poderíamos chamar de memória poética e que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá beleza à nossa vida. Desde que Tomas conhecera Tereza, nenhuma outra mulher tinha o direito de deixar marca, por efêmera que fosse, nessa zona do cérebro dele”. P. 203-204
Tereza, entretanto, não entende qual é a necessidade que Tomas sente de a trair tanto. Ela também tenta o mesmo, mas acaba percebendo que, para ela, carregar o peso é muito mais seguro do que ser livre.

“O amor não se manifesta pelo desejo de fazer amor (esse desejo se aplica a uma multidão inumerável de mulheres), mas pelo desejo do sono compartilhado (esse desejo diz respeito a uma só mulher”. P. 20
Sabina e Franz enfrentam o mesmo dilema, ela é livre e ele carrega um casamento, sendo adúltero, mas querendo ficar com ela. Para Franz, o peso era o casamento e a leveza era a traição. 

“Amar alguém por compaixão não é amar de verdade”. P. 25
Como pensador, Kundera faz muitas reflexões na obra sobre como é pesada a leveza. Por meio de referências musicais, filosóficas e bíblicas, ele nos mostra que quando estamos leves, buscamos o peso. E quando está pesado demais, queremos largar tudo e abraçar a leveza. Isso se dá porque achamos que somos fracos, achamos que, por conta do corpo fraco, a alma não pode aguentar também.

Na minha opinião, ser (existir) já é um enorme fardo que carregamos, mas de alguma forma, esse fardo também está cheio de levezas: momentos realmente bons, que queremos lembrar e sentir novamente. A leveza é insustentável porque, apesar de o ser humano sempre buscar a famosa zona de conforto, ele também quer estar fora dela. O ser humano é contraditório, por isso não consegue carregar os fardos e a leveza ao mesmo tempo. 

Viver é difícil, talvez "insustentável", mas queremos isso! Estamos aqui para isso e só teremos uma chance, uma oportunidade! Cada escolha é decisiva, cada escolha é um destino diferente que escolhemos e isso é louco demais para que possamos entender. Estar vivo é uma loucura, talvez o mundo seja um grande hospício (desculpe, me empolguei), mas se estamos aqui, nós escolhemos se colocamos a camisa de força e nos condenamos, ou se vivemos livres e lidamos com os problemas que virão com essa liberdade. 

“Mas quanto tempo ficaria atormentado pela compaixão? Toda a vida? Um ano inteiro? Um mês? Ou só uma semana?
Como podia ser? Como podia verificar?
Em trabalhos práticos de física, qualquer aluno pode fazer experimentos para verificar a exatidão de uma hipótese científica. Mas o homem, por ter apenas uma vida, não tem nenhuma possibilidade de verificar a hipótese por meio de experimentos, por isso não saberá nunca se errou ou acertou ao obedecer a seu sentimento”. P. 38-39

Esse livro é muito tocante e emocionante, a mensagem que ele traz é diferente de tudo o que eu já li/senti. Talvez eu não tenha palavras para descrever o quão importante essa leitura foi para mim nesse momento da minha vida em que ciclos se fecharão e outros se abrirão, mas se dê essa chance e se descubra com esse livro enquanto ser humano.

“Como no avião que os transportava através da neblina. Sentia agora a mesma felicidade estranha, a mesma tristeza estranha de então. Essa tristeza significava: estamos na última parada. Essa felicidade significava: estamos juntos. A tristeza era a forma, e a felicidade o conteúdo. A felicidade preenchia o vazio da tristeza”. P. 307


E você, conhecia esse livro? Gostaria de ler? Comenta aí!

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