Resenha - O Mulato

segunda-feira, março 23, 2020


O Mulato foi publicado em 1881 e considerada a obra que inaugurou o naturalismo na Literatura Brasileira. Ainda com aquele pé bem cravado nas características do romantismo (que nós sabemos, é difícil de tirar), Aluísio de Azevedo traz a história de amor impossível entre o mulato Raimundo e a branca Ana Rosa, que tem como pano de fundo o cotidiano do Maranhão.


Título: O Mulato
Autor: Aluísio Azevedo
Ano: 1881 (edição de 2008)
Nº de páginas: 258
Editora: Editora Escala
Avaliação: ★★★★
Sinopse: Publicada em 1881 e considerada a obra inaugural do naturalismo brasileiro, O Mulato é um romance escrito em terceira pessoa e retrata a vida interiorana do Maranhão, seus costumes, sua gente e seus preconceitos à época do fim da Guerra da Tríplice Aliança.

Segundo alguns críticos, Raimundo é uma personagem cientificamente inverossímil, pois sendo filho de pai branco e de mãe negra retinta, jamais poderia ter as características que são descritas pelo autor, principalmente os olhos azuis. O autor Aluísio Azevedo (1857-1913), de fato, não poupou adjetivos para descrever o mulato, idealizando extremamente.


O Mulato é uma obra extremamente forte, pois retrata as mazelas daquela sociedade racista e escravista. O naturalismo se mostra presente, principalmente, nas descrições e acontecimentos dos cenários, criticando a sociedade maranhense. Além disso, na parte científica do naturalismo, seria impossível que Raimundo fosse mulato de olhos azuis, como descrito, uma vez que seu pai era branco e sua mãe negra. Por conta disso, Raimundo é um protagonista idealizado e que, "por mais que fosse mulato e filho de uma escrava", era culto e cavalheiro.


O tio de Raimundo era pai de Ana Rosa, ou seja, Raimundo se apaixona por sua prima e acredita realmente que os dois podem ficar juntos. Entretanto, quando vai pedir a mão dela para o tio, percebe quanto preconceito existe contra ele por ser mulato e filho de uma escrava. A partir desse momento, o racismo daquela época é jogado na cara do leitor. A sociedade não tolerava ou incluía cultural e socialmente os negros e mulatos, já que a escravidão estava em vigor e só foi abolida em 1888, sete anos após a publicação do livro.

"— Mulato!
Esta só palavra explicava-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade maranhense usara para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; a conversa cortada no momento em que Raimundo se aproximava; as reticências dos que lhe falavam sobre os seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença, discutiam questçoes de raça e de sangue; a razão pela qual D. Amância lhe oferecera um espelho e lhe dissera 'Ora, mire-se!'. A razão pela qual diante dele chamavam de meninos eos moleques da rua. Aquela simples palavra dava-lhe tudo o que ele até aí desejara e negava-lhe tudo ao mesmo tempo, aquela palavra maldita dissolvia as suas dúvidas, justificava o seu passado; mas retirava-lhe a esperança de ser feliz, arrancava-lhe a pátria e a futura família; aquela palavra dizia-lhe brutalmente: 'Aqui, desgraçado, nesta miserável terra em que nasceste, só poderas amar uma negra da tua laia! Tua mãe, lembra-te bem, foi escrava! E tu também o foste!". (p. 174)

Raimundo e Ana Rosa são proíbidos de ficar juntos, mas ao confessar para o padre que está grávida, surge no casal uma esperança de fugir e viver juntos. Obviamente, isso não é possível, principalmente porque o pai de Ana Rosa já avistava Diogo, um pretendente branco e rico para Ana. O autor mostra, portanto, a impossibilidade que existia naquela época de duas "raças" e "classes sociais" distintas se misturarem.

"(...)A sociedade apontar-te-ia como a mulher de um mulato e nossos descendentes teriam casta e seriam tão desgraçados quanto eu!" (p. 204)

O naturalismo da obra ainda está bem preso ao romantismo, mas já mostra características inegáveis, como a descrição dos cenários naturais e o cientificismo, que defende a ciência e não coloca mais a religião como a explicação para tudo o que acontece no mundo. Aluísio Azevedo é considerado o pai do naturalismo na Literatura Brasileira, inclusive, uma das obras mais famosas é do autor "O Cortiço", que eu já resenhei aqui no blog (clique aqui para ler a resenha). 

"(...) Raimundo não pôde conter uma risada, e, como o outro se formalizara, acrescentou em tom sério 'que não desdenhava da religião, que julgava até indispensável como elemento regulador da soceidade. Afiançou que conhecê-la nas suas leis e nos seus fenômenos, acompanhando os homens de ciência nas suas investigaçõe, fazendo, enfim, o possível para ser útil aos seus semelhantes, tendo sempre por base a honestidade dos próprios atos'". (p. 153)

Confesso que demorei mais do que gostaria para ler esse clássico. Foi bom revisitar as obras que eu lia na faculdade (apesar de que nem faz tanto tempo assim, mas foi lá que aprendi a gostar dos clássicos). Achei a leitura enriquecedora e pude, finalmente, ter contato com a obra que inaugurou o naturalismo no Brasil e o retrato real daquela época. Não sou uma das maiores fãs de obras naturalistas, acho um grande avanço nas abordagens das obras que decidiram cortar o cordão umbilical com o romantismo e todo o aspecto do Belo e do religioso, mas também acho as leituras muito maçantes. Com "O Mulato" não foi diferente, embora em alguns momentos de revelações a obra se tornasse mais emocionante. 

Leia também:

"E Raimundo, ali no desconforto de seu quarto, sentia-se mais só do que nunca; sentia-se estrangeiro na sua própria terra, desprezado e perseguido ao mesmo tempo. 'E tudo por quê?... pensava ele, porque sucedera sua mãe não ser branca!" (p. 192)

Recomendo muito a leitura, porque mostra exatamente como era o comportamento daquela sociedade que vivia em meio à escravidão e ao preconceito. Dessa forma, o livro acaba sendo uma aula de história perfeita e completa, mais o bônus da história de amor que, convenhamos, por ser naturalista e não mais romantista, não termina bem como os leitores esperavam.

E você, já leu O Mulato ou alguma outra obra do autor? Se sim, o que achou? Comenta aí!!!

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1 comentários

  1. Oi, Sara!

    Confesso que também aprendi a gostar mais dos clássicos na faculdade, que ainda estou cursando. Achei a história um pouco parecida com o livro '' Amor de Perdição'', apesar de se tratar de uma obra do Romantismo. Ainda não li nada do Aluísio, mas tenho muita vontade.

    Beijos!

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