Análise do poema - É muita forma do além

sexta-feira, abril 12, 2019


Olá, pessoas interessantes! No semestre passado, na faculdade de Letras, eu tive de produzir um discurso poético para a matéria de Análise do Discurso e analisá-lo cuidadosamente. A fim de mostrar para vocês como funciona a análise do discurso (área que eu gostei bastante), eu decidi trazer a análise completa para compartilhar com vocês, não se assustem:

*O discurso que eu produzi foi a imagem do post, feito com 2 cores de canetinha e recortes de revista.

Com relação à investigação de geração de sentido em composições textuais, realizar uma análise conforme princípios e conceitos norteadores da Análise do Discurso, objetivando oferecer uma interpretação argumentativa do texto poético realizado.

            No plano de expressão da composição poética analisada, estão como textos verbais, os seguintes versos: É muita forma do além,/ por isso quero ser muito além da FORMA./ Simbolista./ Realista./ Modernista./ A CAPA/ da minha própria revista. O texto se distribui ao redor da forma no centro e está predominantemente na cor preta, combinando com o contorno do desenho. Porém, as palavras “além”, “forma” e as sílabas “vi” e “ta” estão em vermelho. Na parte inferior da perna direita há a palavra “senhora” em recorte de revista, mas não faz parte dos versos.

            Os textos não-verbais são a silhueta de um corpo disforme no centro, contornado de preto e preenchido por recortes de revista, compostos por uma diversidade de mulheres e cartazes de protesto. A silhueta é totalmente disforme, um braço é maior do que o outro, as pernas são desproporcionais e a cabeça é bem grande. O fundo da composição é amarelo, há um cartaz na coxa direita, também em amarelo. Na cabeça, há uma mulher negra e uma branca (embora essa esteja em preto e branco, percebe-se que é branca). Várias mulheres em preto e branco preenchem o corpo, no pé esquerdo há mulheres sérias e, perto do joelho esquerdo, há um corpo de escultura.

            No que se refere ao plano do conteúdo, com base na combinação dos elementos verbais e não-verbais, observa-se como qualidade a defesa do corpo disforme, o corpo fora dos padrões, o protagonismo e a referência aos movimentos artístico-literários do simbolismo, realismo e modernismo. Com isso, a divisão da euforia e da disforia ficou do seguinte modo:

EUFORIA
DISFORIA
Corpo uniforme
Corpo disforme
Corpo dentro dos padrões
Corpo fora dos padrões
Antagonismo
Protagonismo
Parnasianismo
Simbolismo
Romantismo
Realismo
Classicismo
Modernismo

            Tal oposição semântica pode ainda ser dividida entre contrários e contraditórios, no quadro semiótico abaixo, que analisa os padrões de beleza do corpo na sociedade.

(S1)
Corpo padrão
(←contrários→)

(S2)
Corpo não-padrão
(implicação ↑)
                                      
          (contraditórios)
                                      
(↑ implicação)
___
(S2)
Corpo uniforme
          (←contrários→)

___
(S1)
Corpo disforme
           
            De acordo com o quadro, o “corpo uniforme” implica em um “corpo padrão” que se encaixa nas expectativas sociais e culturais, prezando sobretudo pela simetria. Em contrapartida, o “corpo disforme” é o contrário e o contraditório, implicando no “corpo não-padrão”, fora das expectativas da sociedade, defendendo a beleza da assimetria.

            Levando em consideração os sujeitos destinador e destinatário nas modalidades intrínsecas e extrínsecas, tem-se as seguintes análises desses papéis actanciais:

Destinador: Eu-lírico e artista em defesa da quebra do padrão corporal.

Destinatário: Principalmente mulheres que prezam pelo amor próprio e pelas diferenças de corpos existentes, em busca de se libertar dos padrões.

·         Dever-ser: fora dos padrões de beleza instituídos pela sociedade;
·         Dever-fazer: amar-se acima dos padrões.
·         Querer-ser: como realmente é, aceitando seu biotipo corporal;
·         Querer-fazer: praticar mais o amor próprio em seu próprio benefício;
·         Poder-ser: empoderada, livre de amarras sociais;
·         Poder-fazer: aceitar seu formato, suas cicatrizes, seu cabelo e sua aparência como um todo;
·         Saber-ser: livre, sem precisar se esconder, sem precisar temer a opinião dos externos;
·         Saber/fazer: livrar-se de amizades tóxicas, buscar por amigos que praticam a aceitação em prol da felicidade alheia.

Com base em todos os aspectos que compõem a parte mais técnica da análise do discurso, é possível destrinchar o discurso semissimbólico, a fim de interpretar os efeitos de sentido, a começar pelos versos do texto verbal:

            Em “É muita forma do além, /Por isso quero ser muito além da forma”, nota-se que a expressão “do além”, refere-se a algo sem sentido e fundamento, sugerindo que a “forma” (magra e alta) do corpo perfeito foi inventada e é irracional. No segundo verso, querer ser além dessa forma inventada, está atrelado ao fato de querer quebrar os padrões, ser do formato que quiser, aceitar o corpo (sendo grande ou pequeno, feio ou bonito), mesmo que isso implique em não se encaixar nos padrões.

         Ao se referir aos movimentos artístico-literários, o eu-lírico estabelece uma intertextualidade entre corpo e arte. O verso “Simbolista” se refere ao verso anterior, que diz “Por isso quero ser muito além da forma”, sendo que uma das frases de ordem do simbolismo na literatura, é justamente a característica “muito além da forma” (preza pelo conteúdo, não pela perfeição estética). O “Realista” é o movimento artístico-literário que propôs a quebra daquilo que era romântico e idealizado, para mostrar o que é real e sem enfeites, referindo-se ao fato de que ninguém na sociedade é perfeito e isso é um fato inegável. Por fim, o “Modernista” retoma as características do movimento, que buscava romper com padrões antigos de arte, inovar e ter liberdade de expressão.

            Nos últimos versos, tem-se “A CAPA / da minha própria revista”. O penúltimo verso está em letras maiúsculas “A CAPA”, para ressaltar o significado de uma capa, que é aquilo que ilustra e introduz algo. No último verso, “da minha própria revista”, a revista é um objeto que lembra moda/beleza, no qual se encontram os padrões, as dietas, a vida “perfeita” das celebridades e a ditadura da beleza. Entretanto, todos esses aspectos se opõem, pois as sílabas em vermelho formam a palavra “vita”, que em latim significa vida, ou seja, ela quer ser a capa da própria revista, a protagonista da própria vida, sem se importar com julgamentos alheios sobre o corpo.

            Nas formas não-verbais, o corpo é totalmente disforme, condizendo com os dois primeiros versos do poema. A cabeça grande ressaltaria o fato de que a inteligência e a personalidade de alguém diz muito mais sobre essa pessoa do que o formato do corpo. A forma está preenchida por cortes de revistas, que também não seguem um padrão. A maioria deles são rostos de mulheres (em preto e branco ou coloridos), mostrando a diversidade da beleza feminina. Além disso, ainda há imagens de cartazes de protesto, que mencionam a liberdade de expressão feminista.

            Com isso, a composição poética em questão, explicita principalmente a aceitação da mulher em relação ao próprio corpo, propondo com a quebra dos padrões de beleza, a inovação no modo de pensar. A sociedade sempre fez imposições de aparência ideal, sendo as mulheres, as maiores vítimas dessa imposição, regra e exigência que não faz o menor sentido e só as aprisiona socialmente. Por isso, o desejo de liberdade das amarras sociais também é exposto, pois revela ao destinatário a necessidade da mulher de protagonizar a própria vida com base em escolhas próprias, e por meio desse poder feminino de autoaceitação, conseguir ter uma mente e um corpo saudáveis. Uma vez que um corpo é como uma história (uma revista, de acordo com a composição), uma amostra das experiências de um ser, de suas cicatrizes, manchas, marcas, dobras, simetria e assimetria.

            Desse modo, para essa composição, um corpo é como um livro cheio de histórias para contar, e nem todo livro tem o mesmo tamanho, a mesma quantidade de páginas, a mesma capa, cor e autor.


E essa foi a análise! Ficaram com medo? Parece bem difícil no começo, mas depois que você pega o jeito, é bem interessante de fazer! O que achou do meu discurso? Comenta aí!

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