Releitura - Demian, de Hermann Hesse

quinta-feira, agosto 05, 2021

 


Demian foi publicado pela primeira vez em 1919, pelo escritor alemão Hermann Hesse, e é um livro muito profundo em diversos sentidos. Na obra, acompanhamos Emil Sinclair, que começa a história ainda bem pequeno. Eu li Demian pela primeira vez em janeiro de 2017, ou seja, há 4 anos atrás. Essa releitura foi uma experiência completamente diferente e o livro continua sendo uns melhores da vida!

Título: Demian
Autor: Hermann Hesse
Ano: 2016
Nº de páginas: 196
Editora: Record
Avaliação: ★★★★★
Sinopse: Edição comemorativa dos 50 anos de lançamento da obra no Brasil Emil Sinclair é um jovem atormentado pela falta de respostas às suas questões sobre o mundo. Ao conhecer Max Demian, um colega de classe precoce e carismático, Sinclair se rebela contra a convenções de seu tempo e embarca em uma jornada de descobertas. Publicado originalmente em 1919, este clássico, considerado um divisor de águas na trajetória de Hermann Hesse, reflete os questionamentos do escritor alemão acerca da humana, com suas contradições e dualidades. Influenciado pelas ideias de Carl Jung, fundador da psicologia analítica, Hesse descreve o processo de busca do indivíduo pela realização interior e pelo autoconhecimento.

CLIQUE AQUI PARA LER A RESENHA DE "DEMIAN" ESCRITA POR MIM EM 2017.


Depois de 4 anos, finalmente pude entrar em contato com Sinclair e Max Demian de novo. Ao ler minha primeira resenha, pude notar como tive uma interpretação muito mais superficial da obra e a analisei conforme me impactou na época. O fato de a obra ter uma carga bastante filosófica me deixou boquiaberta em 2017, mas nesse ano, eu percebi outros aspectos de Demian: a dualidade, o tema central da obra, algo que, acreditem se quiser, eu basicamente não menciono na resenha de 2017.


Não vou comentar muito sobre o enredo, porque já fiz isso na primeira resenha, mas vou abordar aquilo que não compreendi na primeira leitura e como foi essa segunda experiência com uma das obras mais marcantes para mim. Primeiramente, destaquei tantos trechos que, confesso, tive vontade de pegar o marca-textos e marcar cada linha do livro (nesse nível).


Ao ler o Posfácio da obra (que não tinha na primeira edição que eu li), descobri que Demian foi uma obra na qual Hesse mudou totalmente o enfoque de suas obras, justamente por "buscar no interior do próprio personagem a visão multilatitudinal do mundo" (p. 189). Por estudar e ser adepto da doutrina de Freud, Hesse traz questões autobriográficas para Demian, incluindo o complexo de Édipo apontado nos estudos de Freud. 


A dualidade de Demain é bastante clara. Logo no início, conhecemos Sinclair, um personagem que vive uma vida plena e correta, mas que, ao mesmo tempo, confessa conhecer "os dois mundos". Esses dois mundos de Hesse são descritos de diversas maneiras ao longo do livro: mundo luminoso e mundo sombrio, mundo ideal e mundo real, bem e mal, divino e demoníaco, pureza e perversão, Abel e Caim. A decisão de escolher um dos dois lados permeia a trama da vida de Sinclair, que está o tempo todo confuso em relação a isso até que, finalmente, descobre a si mesmo. Obviamente, ele precisa da ajuda de Demian e sua mãe, Eva, para alcançar tal feito.


"Chegou a haver temporadas inteiras em que eu preferia viver naquele mundo proibido, e o retorno à claridade - ainda que necessário e conveniente - chegava a ser para mim quase um retorno a algo menos belo, mais vazio e aborrecido" (p. 15).


Mais do que a dualidade, a obra também faz uma crítica ao sistema burguês e de classes sociais da época. O tempo todo Sinclair se pega pensando em como é triste o fato de as pessoas se deixarem ser alienadas. O pastor Pistórius, que ele conhece perto de onde estudava e quem lhe apresenta a divindade Abraxas, explica para Sinclair como muitas pessoas preferem se comportar como animais e nunca despertarem suas consciências para absolutamente nada. "Hesse realmente ataca é a aceitação do rebanho, permeável a influências externas, capaz de ser levado à guerra na ilusão de estar praticando um ato heroico" (p. 193).


Além disso, algo imprescindível que foi apresentado no posfácio, é o fato de que a obra é bastante autobiográfica e o autor usa os personagens muitas vezes como heterônimos:

"Sinclair, mais do que todos, é o êmulo real do autor: a mesma infância, o mesmo ambiente parental, a mesma inadaptabilidade ao mundo cotidiano. Demian será talvez o Hesse ideal, o que gostaria de ter sido, decisivo, homem do destino, marcado pelo sinal de Caim. Também Pistórius é um heterônimo de Hesse, organista na vida real, filho de teólogo, guia de outrem mas incapaz de encontrar o próprio caminho. Tudo indica, ainda, ter servido para o vigoroso retrato de Eva a significativa figura própria da mãe do poeta" (p. 193).


Segue outros trechos que peguei da obra:

"(...) cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais. Assim, a história de cada homem é essencial, eterna e divina, e cada homem, ao viver em alguma parte e cumprir os ditames da Natureza, é algo maravilhoso e digno de toda a atenção" (p. 10).


"Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que tudo sabe..." (p. 101).


"A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas". (p. 106) "'Quem quiser nascer tem de destruir um mundo' - eis a mensagem - destruir no sentido de romper com o passado e as tradições já mortas, de desvincular-se do meio excessivamente cômodo e seguro da infância para a consequente dolorosa busca da própria razão de existir: ses é ouser ser" (p. 190).


"Demian afirmara por aquela época que o Deus a que rendíamos culto representava apenas a metade do mundo, arbitrariamente dissociada (o mundo oficial e permitido, o mundo "luminoso"), e assim, para podermos adorar o mundo em sua totalidade, como era necessário, forçoso, era buscar um deus que fosse ao mesmo tempo demônio, ou estabelecermos, junto ao culto divino, também um culto demoníaco. E agora surgia Abraxas como a divindade síntese de deus e de demônio" (p. 108).


"O homem que quiser matar nunca será esse ou aquele; estes não passam de disfarces. Quando odiamos um homem, odiamos nele algo que trazemos em nós mesmos. Também o que não está em nós mesmos nos deixa indiferentes" (p. 129).


Demian continua como uma das melhores obras que eu já li, justamente porque mudou minha vida e o meu modo de pensar em muitas coisas. É o tipo de livro que te tira da zona de conforto, te dá aquele famoso tapa na cara e te faz sentar no cantinho e refletir sobre a sua consciência interna. Não deixem de ler esse livro!

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