Resenha - A Mulher Desiludida

quinta-feira, abril 22, 2021

 


A Mulher Desiludida, de Simone de Beauvoir, publicado em 1986, é um livro que reúne três contos sobre três mulheres diferentes, mas que possuem uma característica em comum: a desilusão provocada por um acontecimento desolador.

Título: A Mulher Desiludida

Autora: Simone de Beauvoir

Ano: 1986

Nº de páginas: 190

Editora: Lido no Kindle

Avaliação: ★★★★★

Sinopse: Em A mulher desiludida, temos a reunião de três contos: “A idade da discrição”, “Monólogo” e “A mulher desiludida”. São três histórias distintas, independentes. Na primeira, um casal de intelectuais de esquerda se vê em conflito com as posições cada vez mais conservadoras do filho, o que se pode ver como prenúncio do choque de gerações de Maio de 68. Na segunda se dá o monólogo de uma mulher angustiada e fora de si, após dois casamentos fracassados e o suicídio da própria filha. A última história trata do desmoronamento da vida de uma mulher abandonada pelo marido e desprezada pelas filhas. Indo do envelhecimento, passando pela solidão e culminando no abandono dos entes queridos, os contos refletem sobre a condição da mulher e seu papel na sociedade.


"É tão fatigante detestar-se alguém que se ama!"

A Mulher Desiludida foi o primeiro livro "não acadêmico" que li de Simone de Beauvoir e achei simplesmente aterrador. Se você está pensando em ler esse livro, prepare-se para uma obra de histórias tristes, mas ao mesmo tempo muito profundas. O livro é dividido em três contos: A Idade da Discrição, Monólogo e A Mulher Desiludida (que dá o título ao livro). Nessas três diferentes narrativas, temos mulheres sofrendo decepções muito grandes e deixando suas vidas serem mudadas por conta desses traumas.


"O mundo se constrói sob meus olhos num eterno presente. Habituo-me tão depressa às suas faces que ele não me parece mudar."


No primeiro conto, A Idade da Discrição, uma mulher já de mais idade, mas que ainda trabalha em projetos de pesquisa e se faz ativa no mundo acadêmico, mostra como fica abalada ao perceber que seu filho quer seguir outro caminho. Primeiro, ele arruma uma mulher que não agrada sua mãe e depois diz que não quer ser quem sua mãe tanto quis que ele fosse. Desde criança, ela e o pai do menino não mediram esforços para que ele recebesse a melhor educação e seguisse a mesma profissão que a deles. Já adulto, o rapaz decepciona a mãe de um jeito irreparável quando diz que quer outra profissão e que não concorda com algumas visões políticas dela. Com essa rejeição, a protagonista, mãe, sente-se traída e extremamente amargurada.


"Criança, adolescente, os livros me salvaram do desespero: isso me persuadiu que a cultura é o mais alto valor e eu não consigo encarar essa convicção com olho crítico."


No segundo conto, Monólogo, uma mulher fala sobre seus dois casamentos que não deram certo e sobre o suicídio da própria filha. Mais uma vez, temos uma mãe que passou por traumas gravíssimos e acabou mentalmente abalada por isso.


"No oceano do tempo, eu era o rochedo batido pelas vagas que se renovavam e que não se move e não se gasta. E, súbito, o fluxo me arrasta e me arrastará até que eu tombe na morte."


No terceiro conto, A Mulher Desiludida, acompanhamos por meio de registros em diários, uma mulher que descubriu estar sendo traída pelo marido. Ela passa o conto inteiro tentando digerir a informação, tentando aceitar o adultério para não se divorciar, tentando se apoiar na presença das filhas, mas, ao mesmo tempo, afundando cada vez mais na depressão. 


"Conservar a vitalidade, a alegria, a presença de espírito, é ser jovem. Então, o lote da velhice é a rotina, a melancolia, a senilidade. Eu não sou jovem, eu sou bem conservada, é muito diferente."


Esses três contos tratam de temáticas extremamente profundas. Primeiramente, as três protagonistas são mulheres maduras e modernas. Além disso, em todos os contos ocorre uma quebra de expectativa muito grande (papel de mãe e esposa quebrados). Todas essas mulheres possuem um sentimento de abandono desolador e é possível sentir a profundidade da solidão delas por meio das narrativas e dos fluxos de consciência. Elas tentam consertar as coisas, mas o papel de marido se mostra indiferente, os filhos representam decepção e o laço familiar fica cada vez mais frágil, afetando-as diretamente. 


"A mocidade é o que os italianos chamam de um nome tão bonito: Ia stamina. A seiva, o fogo, que permite amar e criar. Quando se perde isso, perde-se tudo."


Essas mulheres retratadas já não são mais tão jovens e, com o "mundo desmoronando" para elas, é impossível enxergar como sair disso e recomeçar novamente. Elas se sentem desamparadas pelo tempo, sempre remoendo o passado e temendo o futuro. A desilusão dessas mulheres nada mais é do que uma crise existencial, provocada por um quebra de expectativa que destrói as estruturas sentimentais e psicológicas delas enquanto papéis femininos na sociedade.


"Fui eu que dei contorno a sua vida. Agora, assisto-a de fora, como testemunha distante. É o destino das mães, mas quem se resigna com o destino comum das mães?"


Eu achei a obra bastante tocante (quase como um soco no estômago mesmo). Em três contos já é possível sentir como o patriarcado influenciava as mulheres daquela época, deixando-as completamente sem chão e achando-se incapazes de continuar vivendo sem o apoio masculino ou dos filhos. Essa obra nos mostra o quanto as mulheres sempre foram acostumadas a dar tudo de si para os filhos e o casamento. A entrega é tanta que, quando elas ficam sem esses pilares, elas não sabem mais o que fazer e como prosseguir suas vidas, provando que são, de fato, desiludidas: tudo aquilo que elas se esforçaram tanto para ter e fortalecer, simplesmente decide abandoná-la e destruir suas expectativas.


"Ver o mundo transformar-se é ao mesmo tempo milagroso e desolador."


"A alegria: uma transparência do ar, uma fluidez do tempo, uma facilidade em respirar: eu não pedia nada mais."


"A porta se abrirá lentamente e eu verei o que tem detrás. É o futuro. A porta do futuro vai se abrir. Lentamente. Implacavelmente. Estou no limiar. Só existe esta porta e o que espreita atrás dela. Tenho medo. E não posso chamar ninguém por socorro. Tenho medo."

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