Resenha - Torto Arado

sábado, março 06, 2021

 

Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, é um livro que me lembrou muito os clássicos que se passam no Sertão, apesar de ter sido publicado em 2018. A obra narra a história de Bibiana e Belonísia, duas filhas de trabalhadores de uma fazenda no Sertão da Bahia. 

Título: Torto Arado
Autor: Itamar Vieira Junior
Ano: 2018
Nº de páginas: 264
Editora: Lido no Kindle
Avaliação: ★★★★★
Sinopse: Um texto épico e lírico, realista e mágico que revela, para além de sua trama, um poderoso elemento de insubordinação social. Vencedor do prêmio Leya 2018. Nas profundezas do sertão baiano, as irmãs Bibiana e Belonísia encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó. Ocorre então um acidente. E para sempre suas vidas estarão ligadas, a ponto de uma precisar ser a voz da outra. Numa trama conduzida com maestria e com uma prosa melodiosa, o romance conta uma história de vida e morte, de combate e redenção. Um texto épico e lírico, realista e mágico que revela, para além de sua trama, um poderoso elemento de insubordinação social.

Torto Arado traz uma narrativa em primeira pessoa do ponto de vista de mais de um personagem, mas o cenário sociohistórico trata de uma fazenda, onde vários descendentes de escravos cultivam a terra e são obrigados a dar uma porcentagem para os senhores em troca da terra para viver. O romance da história se passa acerca de Bibiana e Belonísia, que logo no início encontram a faca de sua avó e acabam sofrendo um acidente, o que faz com que elas fiquem muito próximas.

"facas sangram caças, sangram as crias do quintal e matam homens."

Com o tempo e a puberdade, as garotas acabam se envolvendo com homens e vão tentar a vida fora da casa dos pais. Ambas vivenciam experiências bem diferentes, mas sabem que sempre serão acolhidas pelos pais, caso queiram voltar.

"Depois de tanto ouvirmos falar sobre as crianças mortas, a natureza, misteriosa e violenta, nos impelia para conceber a vida."

O local e os costumes do povo são descritos como algo extremamente importante para eles. A terra é a fonte de vida deles, assim como os costumes e a cultura são indispensáveis. Certo dia, até decidiram dar aulas para alfabetizar e ensinar matemática para as crianças. Algumas meninas se incluíam nas aulas, algo bastante interessante. 

"Se o ar não se movimenta, não tem vento, se a gente não se movimenta, não tem vida."

Entretanto, em vários momentos as mulheres sofrem nas mãos dos homens com quem casam. Apanham, são humilhadas, precisam cuidar dos filhos e são inferiorizadas. Belonísia, contudo, mostra-se como uma mulher bastante confiante e forte, criando um contraste com a realidade vivida pelas outras mulheres.

"Depois que ele me deitou na cama, beijou meu pescoço e levantou minha roupa, não senti nada que justificasse meu temor. Era como cozinhar ou varrer o chão, ou seja, mais um trabalho. Só que esse eu ainda não tinha feito, desconhecia, mas agora sabia que, como mulher que vivia junto a um homem, tinha que fazer."

A relação do povo naquela terra com os senhores é bastante conturbada, uma vez que eles são claramente explorados e os senhores levam mais da metade dos resultados dos trabalhos diários e árduos dos negros.

"Sabia que mesmo depois de muitos anos, carregaria aquela vergonha por ter sido ingênua, por ter me deixado encantar por suas cortesias, lábia que não era diferente da de muitos homens que levavam mulheres da casa de seus pais para lhes servirem de escravas. Para depois infernizarem seus dias, baterem até tirar sangue ou a vida, deixando rastro de ódio em seus corpos. Para reclamarem da comida, da limpeza, dos filhos mal criados, do tempo, da casa de paredes que se desfaziam."

A cidade é somente mencionada na história. Alguns personagens se mudam para lá e, no início, as duas irmãs são levadas para o hospital na cidade, criando grande espanto nelas, já que nunca tinham visto a selva de pedra. Obviamente, elas continuaram preferindo a fazenda, pois achavam que a cidade era muito injusta por exigir dinheiro para tudo, enquanto em casa, a terra dava tudo o que eles precisavam.

"O diamante se tornou um enorme feitiço, maldito, porque tudo que é bonito carrega em si a maldição. Vi homens fazerem tratos de sangue, cortando sua carne com os punhais afiados, marcando suas mãos, suas frontes, suas casas, seus objetos de trabalho, suas peneiras de cascalhos e bateias. Vi homens enlouquecerem sem dormir, varando noite e dia no rio Serrano, nas serras, nos garimpos, entocados na escuridão para ver o brilho mudar de lugar. O diamante tem feitiço e no breu podemos ver seu reflexo, de fazer cegar uma coruja, quando anda de um lugar para outro, como um espírito saindo de uma serra, cruzando o céu, e descendo num monte ou num rio, na forma de uma luz que chamava a atenção mesmo distante."

A seca e a cheia do Sertão também são retratadas na história, como algo que não permite o cultivo do nada ou destrói tudo o que estava sendo cultivado. Nessas cenas e nas tantas cenas de partos presentes na obra, me fizeram enxergar o simbolismo do nascimento presente em Torto Arado. Conforme plantações brotam e crescem, bebês nascem. Conforme a cheia destrói a plantação, trabalhadores morrem.

"A mentira de que ele cuidava de plantio de maconha não ficará de pé. Nós sabemos quem planta», disse sem desviar o olhar do povo à sua frente. «Nós moramos na periferia da cidade, e lá os policiais usavam a mesma desculpa de drogas para entrar nas casas, matando o povo preto. Não precisa nem ser julgado nos tribunais, a polícia tem licença para matar e dizer que foi troca de tiro. Nós sabíamos que não era troca de tiros. Que era extermínio."

Recomendo muito a leitura de Torto Arado para quem gosta de romances que se passam no Sertão e já tiveram contato com os muitos clássicos dessa temática. A linguagem é bastante simples e poética, assim como a leitura é muito rápida e envolvente. 

E você, já tinha ouvido falar dessa obra? E do autor? Comenta aí!

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